domingo, 6 de novembro de 2011

Armando Hadano: “Infartei na Antártica”



O pesquisador brasileiro conta como passou 26 anos entre o Brasil e o continente gelado – até sofrer um ataque cardíaco. Relato foi publicado na Revista Época, Edição 699.



Em 1982, eu estava no 2º ano da faculdade de Direito quando me convidaram para ir à Antártica pela primeira vez. Já era técnico eletrônico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Fazia estudos da ionosfera (uma camada da atmosfera). A partir de 1984, larguei a faculdade e passei a ir todo ano para a Antártica. Eu ficava nove meses lá e três meses no Brasil. Somando todo o tempo na Antártica, daria dez anos de minha vida.


A vida lá é diferente de tudo o que conhecemos. No início parece que vai ser impossível se adaptar àquele isolamento. Mas você se acostuma. Na região onde fica a base brasileira, no verão faz 2 graus negativos. No inverno, já chegou a 28 graus abaixo de zero. A gente estranha aquela temperatura e o visual branco, cheio de gelo e neve, que não muda. No começo, dá medo.


No inverno, a atenção é dobrada, porque venta e neva intensamente. Em meu primeiro inverno lá, um amigo caiu de um morro e entrou em coma, com traumatismo craniano. Por causa do mau tempo, o helicóptero da base chilena demorou dois dias para resgatá-lo. O médico da base o manteve vivo com os equipamentos básicos. Depois, meu amigo ficou bem. Mas, quando isso acontece, você tem a dimensão de quanto tudo lá é frágil. Qualquer movimento tem de ser monitorado. Precisamos anotar onde estamos e a que horas pretendemos voltar. Se vamos nos atrasar, temos de avisar. Caso contrário, uma equipe de resgate sai em sua busca.

A convivência social é um desafio quase tão grande quanto o ambiente natural. Imagine passar nove meses acordando e dormindo ao lado de 12 pessoas, nosso grupo na base brasileira. Você tem de engolir sapos, relevar ofensas para não deixar um clima ruim crescer. Não tem para onde ir. O que ajuda na convivência é que todos logo percebem isso. Cada um vira especialista em algo. Se alguém consegue cortar o cabelo sem caminho de rato, vira o cabeleireiro oficial. Eu sempre fui bom em fotografia. E esse era meu papel no grupo. Para quem gosta de fotografia, aquele visual é ideal para explorar mudanças de luz e contrastes.

Depois que você se acostuma às peculiaridades da vida na Antártica, a quietude e a sensação de paz diárias viciam. As pessoas que se adaptam sempre querem voltar. Eu só parei porque, em novembro de 2008, sofri um infarto. Aconteceu quando eu tinha saído da base para umas observações.
Durante a caminhada no gelo, eu me senti mal. Parei para descansar e consegui voltar, devagar, para a base. Tive uma sorte absurda. Os médicos conseguiram diagnosticar o que eu tinha. Naquele dia o navio que faz o translado para a Antártica a cada nove meses estava lá. O avião que abastece a base chilena, de tempos em tempos, também. Fui levado para um hospital naval em Punta Arenas, no Chile. Fiquei internado uma semana, antes de ser transferido para o Rio de Janeiro, onde fiz uma angioplastia. Sete meses depois, coloquei três pontes de safena. Por esses problemas de saúde, nunca mais retornei à Antártica.



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